13H - RESTAURANTE A QUILO
Um dia desses fui almoçar com
meus amigos Mandu e Coxinha. Amanda,
ou Mandu, é uma grande amiga, foi colega de faculdade e já tivemos um relacionamento,
antes que ela se assumisse lésbica. Já o Coxinha, chamado Johnatan apenas pela
mãe, é um grande amigo de infância. O apelido surgiu pelo fato de ele ser um
tarado, ainda criança só falava das coxas das garotas, por isso: coxinha.
Durante o almoço conversamos
sobre comida, como é de praxe, e sobre dietas. Mandu e Coxinha se gabavam por estarem há três semanas sem comer doce.
Mandu –
Vocês sabiam que, em um padrão ideal de saúde, o alimento mais doce que devemos
ingerir é a cenoura?
Saulo –
Desde quando cenoura é doce?
Mandu –
Desde que os cientistas concluíram isso. E eu já comi cenoura hoje, então, não
preciso de nada mais doce que isso.
Coxinha
– Isso me lembrou uma piada.
Mandu
– AAAI!
Saulo
– NÃO CONTA!
[Como sempre, ele não se intimidou e contou.]
Coxinha
- Sabem qual é o doce que o átomo mais gosta? Hein? O pé-de-molécula. Haha
Depois dessa piada péssima, a
Mandu e eu nos levantamos. O Coxinha veio atrás. A fila do caixa estava longa e
meus amigos não desgrudavam os olhos de um pacote de doce de leite ninho que
estava no balcão. Mandu mais tarde me contou de repente ouviu a música da Xuxa:
“doce, doce, doce, a vida é um doce...”; e o pacote começou a dançar. Já o
Coxinha me contaria algo ainda mais bizarro, que o pacote de doce disse sussurrando:
“ai, garanhão, sou uma ‘doça’, eu preciso de você, me devore se for capaz...”.
O fato é que antes de narrarem-me esses delírios, os dois com violência pegaram
o saquinho de doce e comeram gemendo de prazer, me passando a maior vergonha. As
pessoas olharam assustadas a cena. Bem, depois do almoço é hora de ir trabalhar.
14H - REDAÇÃO DO JORNAL SENSAÇÃO
Hoje não aconteceu nada de excepcional
em Goiânia. Por isso, um jornalista fez matéria sobre as pessoas que atravessam
fora da faixa. Outro sobre o peso das mochilas escolares. Toni ainda se
sobressaiu, escreveu sobre um divertido baile da terceira idade. E eu, escrevi uma matéria bem meia-boca sobre a falta de creches em
Trindade.
Mas logo no início da tarde,
recebi um e-mail quase que em código morse.
“Seu
moço peguei seu imeil aqueli dia no finsocial e tenho uma denuncia pra fazê
Trabaio
coum doce mais tá teno uma máfia do doce lá em neropis onde eu pego os doce e
agora os doce tá tudo caro e os fregueis taum relamano do preço do doce”
O pior é que o destinatário era “dogao40topatudo@hotmail...”,
então nem levei muito a sério, pensei que era apenas um cara maluco querendo...
imaginamos o quê.
Durante uma reunião à tarde, até
brinquei com o fato de ter recebido um e-mail falando de uma cosia de “máfia do
doce de Nerópolis”. Todos riram, exceto Órion. Achei aquilo estranho. Toni
ainda disse que já ouviu falar nessa história de máfia do doce, mas também não
levou a sério. Em seguida, como eu já tinha concluído minhas tarefas,
decidi ir a Nerópolis averiguar a situação.
16H30 – NERÓPOLIS
A cidade fica perto da capital, e
conta com pequenas fábricas de doces, além de instalações caseiras e
distribuidoras. Fui a alguns locais com o pretexto de estar interessado em
revender doces em Goiânia. Ouvia respostas como “iih, não é fácil assim não, vai
ser difícil te deixarem vender” ou “não entra nessa não, cara, em Goiânia ninguém consegue assim não, parte pra outra coisa”, até que um confirmou minhas suspeitas:
Seu Durval – Olha, ninguém pode saber que eu te contei. Quem manda
no mercado do doce é o Figão, a mãe dele era a maior doceira da cidade. Mas
depois que a velha morreu, resolveu dominar o mercado da maneira dele. Na máfia do doce, o açúcar
vem dos canaviais de trabalho forçado da Coreia do Norte, o pau de mamão vem da
Indonésia e outros ingredientes também vêm do exterior. Chega o contêiner no
porto como tecnologia barata, mas na verdade são produtos para fabricar os
doces. Tudo isso gera um dinheiro danado, fora os subornos pro pessoal do
porto. Só te contei isso tudo porque percebi que você é agente do FBI. Meu
sonho sempre foi trabalhar no FBI, igual vejo nos filmes.
Saulo – Na verdade, senhor, sou apenas jornalista.
Seu Durval – E é? E eu aqui pensando que tu era do FBI. Se citar
meu nome por aí, te dou uma surra!
Saulo – Não se preocupe, vai ficar tudo no sigilo.
Seu Durval – Então, aproveitando que você é do jornal, leva aqui
esses documentos pra provar. Eu tenho uma diferença com o Figão. Vai ser um
prazer ver ele se dando mal. Mas rapaz, nunca diga que fui eu!
19H30 – REDAÇÃO DO JORNAL SENSAÇÃO
Fui imediatamente levar a notícia
exclusiva ao meu chefe, Órion.
Saulo –
Órion, que bom que ainda está aqui.
Órion
– Não, eu tô lá no El Club, acampado na porta pra ser o primeiro a entrar só pra ficar reparando em cada boy que adentra quele ambiente. Vai me procurar lá, vaza!
Saulo
– Órion, é papo sério. Tenho uns documentos pra uma matéria exclusiva. E como a
edição de amanhã está fraca, ainda dá tempo de escrevermos e colocar. É sobre a
máfia do doce de Nerópolis.
Órion
[transparecendo nervosismo] – A ma-ma-máfia
do doce... não, deixa isso pra lá. A edição já está fechada.
Nesse momento, entra na sala nosso chefe supremo, o Matias. Ele diz que ouviu a questão da máfia e quer saber mais sobre. Eu dei mais alguns detalhes, e ele achou bombástica a notícia, e ordenou que colocássemos na edição do jornal. Órion
engoliu seco.
Como resultado, tivemos a seguinte
capa:
Quando fui dormir, algumas perguntas rondavam minha cabeça. Por que Figão, que tinha a mãe doceira, resolveu se tornar mafioso? Por que o Seu Durval entregou os documentos e disse ter diferenças com Figão? E o mais emblemático, por que Órion ficou tão nervoso quando eu levei a notícia da máfia? Pelo visto essa história ainda vai render. Melhor eu dormir enquanto ainda posso.
Quando fui dormir, algumas perguntas rondavam minha cabeça. Por que Figão, que tinha a mãe doceira, resolveu se tornar mafioso? Por que o Seu Durval entregou os documentos e disse ter diferenças com Figão? E o mais emblemático, por que Órion ficou tão nervoso quando eu levei a notícia da máfia? Pelo visto essa história ainda vai render. Melhor eu dormir enquanto ainda posso.