quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

S01XE03 - MATÉRIA DE HOJE: MÁFIA DO DOCE DE NERÓPOLIS

13H - RESTAURANTE A QUILO

Um dia desses fui almoçar com meus amigos Mandu e Coxinha. Amanda, ou Mandu, é uma grande amiga, foi colega de faculdade e já tivemos um relacionamento, antes que ela se assumisse lésbica. Já o Coxinha, chamado Johnatan apenas pela mãe, é um grande amigo de infância. O apelido surgiu pelo fato de ele ser um tarado, ainda criança só falava das coxas das garotas, por isso: coxinha.

Durante o almoço conversamos sobre comida, como é de praxe, e sobre dietas. Mandu e Coxinha se gabavam por estarem há três semanas sem comer doce.

Mandu – Vocês sabiam que, em um padrão ideal de saúde, o alimento mais doce que devemos ingerir é a cenoura?
Saulo – Desde quando cenoura é doce?
Mandu – Desde que os cientistas concluíram isso. E eu já comi cenoura hoje, então, não preciso de nada mais doce que isso.
Coxinha – Isso me lembrou uma piada.
Mandu – AAAI!
Saulo – NÃO CONTA!
[Como sempre, ele não se intimidou e contou.]
Coxinha - Sabem qual é o doce que o átomo mais gosta? Hein? O pé-de-molécula. Haha

Depois dessa piada péssima, a Mandu e eu nos levantamos. O Coxinha veio atrás. A fila do caixa estava longa e meus amigos não desgrudavam os olhos de um pacote de doce de leite ninho que estava no balcão. Mandu mais tarde me contou de repente ouviu a música da Xuxa: “doce, doce, doce, a vida é um doce...”; e o pacote começou a dançar. Já o Coxinha me contaria algo ainda mais bizarro, que o pacote de doce disse sussurrando: “ai, garanhão, sou uma ‘doça’, eu preciso de você, me devore se for capaz...”. O fato é que antes de narrarem-me esses delírios, os dois com violência pegaram o saquinho de doce e comeram gemendo de prazer, me passando a maior vergonha. As pessoas olharam assustadas a cena. Bem, depois do almoço é hora de ir trabalhar.

14H - REDAÇÃO DO JORNAL SENSAÇÃO

Hoje não aconteceu nada de excepcional em Goiânia. Por isso, um jornalista fez matéria sobre as pessoas que atravessam fora da faixa. Outro sobre o peso das mochilas escolares. Toni ainda se sobressaiu, escreveu sobre um divertido baile da terceira idade. E eu, escrevi uma matéria bem meia-boca sobre a falta de creches em Trindade.

Mas logo no início da tarde, recebi um e-mail quase que em código morse.

“Seu moço peguei seu imeil aqueli dia no finsocial e tenho uma denuncia pra fazê
Trabaio coum doce mais tá teno uma máfia do doce lá em neropis onde eu pego os doce e agora os doce tá tudo caro e os fregueis taum relamano do preço do doce”

O pior é que o destinatário era “dogao40topatudo@hotmail...”, então nem levei muito a sério, pensei que era apenas um cara maluco querendo... imaginamos o quê.

Durante uma reunião à tarde, até brinquei com o fato de ter recebido um e-mail falando de uma cosia de “máfia do doce de Nerópolis”. Todos riram, exceto Órion. Achei aquilo estranho. Toni ainda disse que já ouviu falar nessa história de máfia do doce, mas também não levou a sério. Em seguida, como eu já tinha concluído minhas tarefas, decidi ir a Nerópolis averiguar a situação.

16H30 – NERÓPOLIS

A cidade fica perto da capital, e conta com pequenas fábricas de doces, além de instalações caseiras e distribuidoras. Fui a alguns locais com o pretexto de estar interessado em revender doces em Goiânia. Ouvia respostas como “iih, não é fácil assim não, vai ser difícil te deixarem vender” ou “não entra nessa não, cara, em Goiânia ninguém consegue assim não, parte pra outra coisa”, até que um confirmou minhas suspeitas:

Seu Durval – Olha, ninguém pode saber que eu te contei. Quem manda no mercado do doce é o Figão, a mãe dele era a maior doceira da cidade. Mas depois que a velha morreu, resolveu dominar o mercado da maneira dele. Na máfia do doce, o açúcar vem dos canaviais de trabalho forçado da Coreia do Norte, o pau de mamão vem da Indonésia e outros ingredientes também vêm do exterior. Chega o contêiner no porto como tecnologia barata, mas na verdade são produtos para fabricar os doces. Tudo isso gera um dinheiro danado, fora os subornos pro pessoal do porto. Só te contei isso tudo porque percebi que você é agente do FBI. Meu sonho sempre foi trabalhar no FBI, igual vejo nos filmes.
Saulo – Na verdade, senhor, sou apenas jornalista.
Seu Durval – E é? E eu aqui pensando que tu era do FBI. Se citar meu nome por aí, te dou uma surra!
Saulo – Não se preocupe, vai ficar tudo no sigilo.
Seu Durval – Então, aproveitando que você é do jornal, leva aqui esses documentos pra provar. Eu tenho uma diferença com o Figão. Vai ser um prazer ver ele se dando mal. Mas rapaz, nunca diga que fui eu!

19H30 – REDAÇÃO DO JORNAL SENSAÇÃO

Fui imediatamente levar a notícia exclusiva ao meu chefe, Órion.

Saulo – Órion, que bom que ainda está aqui.
Órion – Não, eu tô lá no El Club, acampado na porta pra ser o primeiro a entrar só pra ficar reparando em cada boy que adentra quele ambiente. Vai me procurar lá, vaza!
Saulo – Órion, é papo sério. Tenho uns documentos pra uma matéria exclusiva. E como a edição de amanhã está fraca, ainda dá tempo de escrevermos e colocar. É sobre a máfia do doce de Nerópolis.
Órion [transparecendo nervosismo] – A ma-ma-máfia do doce... não, deixa isso pra lá. A edição já está fechada.

Nesse momento, entra na sala nosso chefe supremo, o Matias. Ele diz que ouviu a questão da máfia e quer saber mais sobre. Eu dei mais alguns detalhes, e ele achou bombástica a notícia, e ordenou que colocássemos na edição do jornal. Órion engoliu seco.

Como resultado, tivemos a seguinte capa:


Quando fui dormir, algumas perguntas rondavam minha cabeça. Por que Figão, que tinha a mãe doceira, resolveu se tornar mafioso? Por que o Seu Durval entregou os documentos e disse ter diferenças com Figão? E o mais emblemático, por que Órion ficou tão nervoso quando eu levei a notícia da máfia? Pelo visto essa história ainda vai render. Melhor eu dormir enquanto ainda posso.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

S01XE02 - MATÉRIA DE HOJE - PATINAÇÃO NO SABÃO

Estava em uma apresentação de sapateado, com dançarinos sorridentes fazendo seus compassados toc-tocs. O ritmo dos toc-tocs foi aumentando. Até que os dançarinos se descontrolaram de vez, saltando do palco, sem parar os pés. A plateia saiu correndo, eu inclusive! O som dos toc-tocs coletivos era infernal. Na correria, eu caí. E acabei sendo pisoteado, pensando naquele momento que não haveria salvação. Com certeza eu seria notícia do Jornal Sensação. PEEEN-PEEEN-PEEEN! [despertador]

Acordei aliviado, ou quase. Ainda ouvia toc-tocs, que na verdade era a correria dos vizinhos de cima. Ao menos hoje eu não seria a notícia, mas sim o noticiador. Hora de ir trabalhar.

REDAÇÃO DO JORNAL SENSAÇÃO

Cheguei ao jornal e a equipe estava muito animada. O Toni estava no celular fofocando, outro jornalista estava jogando no computador, as meninas estavam apalpando os seios de uma jornalista que tinha acabado de colocar silicone (portanto, doida para mostrar ao mundo sua nova densidade). Fui pegar um café. Quando voltei, tudo estava mais quieto que um monastério. Todos fingiam trabalhar. Órion entrou na sala e já apontou sua unha pintada de amarelo para mim.

ÓRION - Você, novato, ainda no café? Todos já estão trabalhando, ou fingindo, não importa... e você À TOA! Já sei qual será seu trabalho de hoje, hahaha!
SAULO - Ok, manda aê.
ÓRION - É uma matéria sobre patinação no sabão usando sapatos-escovas, com direito a banho de mangueira. Segundo a editoria de esportes, patinação no sabão não é esporte; a editoria de moda disse que sapatos-escovas nunca serão moda, concordo plenamente; e a editoria de direitos humanos acaba de ser chefiada por um fundamentalista que considera corpos molhados coisa do Satã. Então, eu trouxe pra nossa fina Editoria Cidades! A matéria é sua, novato. Alguma dúvida?
SAULO - Sim, eu devo fa...
ÓRION - PÉEN! Tempo esgotado. A patinação começa em 30 minutos, lá no Finsocial, do outro lado dessa roça asfaltada. Então [encheu o peito de ar e gritou], COOOORRE, QUE É NOTÍCIA! XISPA!

CENTRO COMUNITÁRIO DO SETOR FINSOCIAL

Já no local, enquanto eu me apresentava como profissional da imprensa e perguntava sobre o responsável pelo evento, as pessoas respondiam coisas como “Repórter do Sensação... que delícia, sai comigo depois?”, “Tenho uma filha linda, solteira, e também um filho gay, bem... do que você gosta? Tô perguntando pro almoço”, “lá perto de casa tá um matagal do caramba, precisa de uma reportagem”, “não sei quem organiza isso aqui não, mas eu posso organizar um negocinho pra gente”. É incrível o prestígio do Jornal Sensação, parece que virei celebridade. Mas finalmente encontrei a presidente de bairro, Dona Marli.

Dona Marli me explicou que a ideia surgiu quando a filha, Samira, de 10 anos passava o dia assistindo aos Jogos Olímpicos de Inverno e tentava imitar a patinação na sala. Então, Marli pegou o cinto, desligou a televisão e ordenou que Samira fosse pelo menos esfregar o chão. A garota então amarrou as escovas nos chinelos e passou a esfregar o chão patinando. Marli adaptou a ideia para a comunidade, que cobrava tanto por lazer e não ajudava na manutenção dos espaços públicos.

Seu Moacir sugeriu incrementar com banho de mangueira, o que a princípio foi rejeitado por parecer que ele queria ver as garotas molhadas, mas depois aceitaram para aliviar a forte onda de calor.

Dinorá revolveu fazer algo mais fashion e confeccionou sandálias com escovas na sola, que foram financiadas pelo Supermercado Baratoin, do seu Antônio.

Enquanto entrevistava os envolvidos e tentava controlar meus risos com as quedas das pessoas na quadra, surge, adivinha? Vamos avaliar as opções. Num momentos desses poderia surgir: a) um político se aproveitando da situação b) um grupo de manifestantes contra o preço do sabão c) um atirador que quer matar gente feliz d) um funkeiro. Bingo! Apareceu um funkeiro.

O MC Fimose veio dizendo que tinha uma coisa para me mostrar. Falei para ele que não tinha interesse em ver prepúcio de ninguém. “Relaxa, véi! Vou te mostrar é uma música que eu fiz inspirado na Patinação no Sabão”.

LETRA E ÁUDIO DO FUNK DO MC FIMOSE

Patinação no sabão / iss’é bão/ Leva a bucha, que eu levo o esfregão / e a gente esfrega / A gente esfrega, esfrega, esfrega / vai até o chão/ xa-xa-xa-xa-xa-xa-xa xáaa / espuma demais / porque a gente faz com força / e lava louça a night inteira...

AHAHAHAHAHA. Depois dessa música, dei por concluído meu trabalho no Finsocial. O fotógrafo e eu voltamos para a redação do jornal. Hora de escrever.

REDAÇÃO DO JORNAL SENSAÇÃO

Escrevi a matéria e enviei ao Órion. Minutos depois ele aparece em nossa sala esbravejando, dizendo que eu ainda não entendi o propósito daquele jornal.

ÓRION - Você escreveu “Comunidade reunida deixa a quadra brilhando”. Que raios de título é esse? Exagere, seja grosseiro, vomite as palavras se preciso for, mas faça algo impactante, que venda. Precisamos de algo que assuste, que agrida, que enfarte quem ler!

E fui refazer meu trabalho, com a ajuda de Toni. O resultado ficou grotesco, mas tão grotesco que ocupou parte da capa.

VEJAM A CAPA DO JORNAL SENSAÇÃO
  


EM CASA

Mal entro no apartamento e me deparo com meu primo Alex e sua namorada Miryad se pegando (para não dizer transando) no sofá. Eles não se intimidaram, continuaram no esfrega-esfrega.

Alex é um malandro, só sabe ir para a academia, não arruma a casa, não trabalha, vive do dinheiro que minha tia envia. É mais cômodo para minha tia sustentar o malandro à distância. Eu divido apartamento com ele para rachar o aluguel e também para supervisioná-lo para minha tia, como assim prometi, imagine meu arrependimento.

Miryad, a namorada é o que chamo de pati-periferia, mora no Garavelo e quer entrar para o seleto clube das patricinhas sertanejas de Goiânia. É burra como uma porta, mas tem um corpão dos mais gostosos. Isso não se pode negar.


Melhor eu tomar banho e dormir, porque estou mais cansado do que os moradores que esfregaram a quadra. Boa noite, e até a próxima matéria!

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

S01xE01 - MATÉRIA DE HOJE: JÁ É SENSAÇÃO!

Eu nasci num recanto feliz. Bem distante da povoação. Foi ali que eu vivi muitos anos. Com o papai, a mamãe e os irmãos... até que finalmente parti de Montividiu, saí daquela vida pacata do interior, daquela falta de novidade e, felizmente, daquelas músicas chatas que o tio Jarbas cantava nas festas. Vocês não sabem o que é ter um tio aspirante a cantor, mas que não tem talento, entoando música caipira madrugada adentro.

Melhor eu voltar para a minha mudança. Retomando, eu fui para Goiânia fazer faculdade, fazer amigos, fazer inimigos, fazer sexo, fazer amor, enquanto a outra pessoa queria só fazer sexo... enfim, fazer um monte de coisas novas.

Moro nesta cidade há oito anos. Portanto, já estou mais que habituado com Goiânia, com os goianienses, e com os mato-grossenses, maranhenses, tocantinenses, paraenses, brasilienses e outros enses que desembarcaram aqui. E não só as origens, mas também os grupos são vários. Destes, há dois que me incomodam muito: o grupo do sertanejo universitário e o dos alternativos extremistas. Não sei bem onde me encaixo, talvez no das pessoas normais [risos]. Veremos mais adiante o quanto minha vida é normal [mais risos].


Minha profissão: jornalista. Óh! Grande coisa, hein?! Na verdade, pequenas coisas: o salário de fome, a autoestima de uma formiga e a esperança falecida. Mas como dizem que a felicidade mora nas pequenas coisas [cof, cof...], tento me conformar e batalhar nessa área. Inclusive, hoje começo em um novo emprego, uma oportunidade que eu estava esperando há muito tempo: vou trabalhar no Jornal Sensação, um diário de notícias populares, que se torcer sai sangue e se sacodir sai silicone. Por que minha alegria? Salário melhor ;). Vamos nessa!

NO JORNAL

O elevador abre, entro pela porta da empresa, e passa por mim uma funcionária chorando. Dou mais um passo e vem um cachorro rosnando, e o bicho morde minha calça! Puta que pariu! Vem uma madame, que diz: “Dudu, assim você estraga seus dentinhos! O veterinário fez o clareamento hoje.”. Puta que pariu em dobro! Ela pega o cachorro, e sem falar comigo entra no elevador. Vem um colega e fala comigo: “É a mulher do chefe. Liga não, aqui é desse jeito! Você deve ser o Saulo. Eu sou Toni, seu colega de trabalho”.

Mais uma pessoa passa chorando para o elevador. Em seguida vem um sujeito estilo hipster esbravejando: “Hoje é dia de afujentar os incompetentes! Baní-los dessa revista, já que não posso baní-los do mundo. Só se fizerem isso por conta própria. Seria um favor a todos.”. Ele aponta pra mim um dedo com a unha pintada de amarelo e diz: “Já aviso, novato: aqui erros não são admitidos, mas sim demitos!”. E riu de sua própria piada podre, muito podre.

Toni foi superbacana, me apresentou o funcionamento do jornal, os colegas de trabalho e já me deu uns toques. Literalmente uns toques no meu corpo, mas já fui deixando claro que não gosto. Levei na esportiva. Ele não disfarça nem mesmo seu interesse pelo diretor do jornal, Matias, um quarentão que pelo visto tem uma esposa insuportável. Toni me deu dicas sobre Órion, o capeta hipster. É um jornalista renomado, que já passou por várias revistas em São Paulo e no Rio, escrevendo críticas de arte. Veio para cá ninguém sabe o porquê, ainda mais mudando para o segmento popular. História muito estranha.

Nesse primeiro dia, não tive que escrever muito. Me conformei em apenas entender o funcionamento do jornal e acompanhar a montagem da edição que iria para a prensa no dia seguinte.

DÊ O PLAY NA MÚSICA-TEMA DA SÉRIE!
Thong Song by Sisqó on Grooveshark

E AGORA confira em primeira mão a capa do Jornal Sensação de amanhã.

Ó céus! Até bateu um arrependimento. Qual será minha primeira matéria? Lobisomem do Madre Germana? As polêmicas da mulher-pequi? Briga no terminal Praça A? O que abre e o que fecha no feriado? A revolta de emos do Vaca Brava? Melhor não pensar demais, vamos deixar que cada dia traga seu sabor, e pelo visto serão sabores como pão com ovo, churrasquinho de gato e suco de groselha. Até a próxima!